domingo, 3 de maio de 2009

Eu não acredito em bruxas, mas que as há, há...:)

Ando pensativa. Já não é de agora, mas ando. E penso em coisas que me fazem tanto bem quanto mal. Penso como seria bom voltar atrás no tempo, o tempo preciso, até esse eu sei. Datas exactas para onde queria voltar. Sinto que desde aquele dia nunca mais me encaixei como devia, como todos os outros como eu voltaram a encaixar-se. Todos menos eu?
Na Galiza uma das maiores tradições é a existência da bruxa. Lá chamam-se "meigas", há-as em todo o lado à venda. O provérbio vem de lá, da Galiza. O Euclides sabe-o bem.."No creo en brujas pero que las hay hay". A minha conclusão é lógica e faz sentido. Fomos contagiados. Sabemos que nos veremos lá sempre, que sempre estaremos ligados àquele lugar.
Mas isso eu soube a primeira vez que lá pus os pés em miúda. Lembro-me que disse ao meu pai: "Paizinho, um dia vou viver aqui, tenho a certeza!".
É uma cidade pequena, Santiago. Tem uma praça principal que tem em frente a Catedral. Costumava ficar horas parada a olhar para ela. Às vezes o Euclides acompanhava-me no silêncio. Tem magia. Não sei explicar porquê, mas todos a sentem. Do lado esquerdo o hotel dos reis, por trás uma extensão de qualquer coisa governamental e do lado direito o início do casco histórico. A rua que atravessa o casco até à parte nova é essa. Mas o bonito é não seguir em frente, mas virar à direita ou à esquerda onde nos apetecer e entrar no coração daquela cidade. As paredes quase que respiram, têm muito para contar:) Se calhar é por isso que lá chove sempre, é preciso limpar tudo o que ali se passa, século após século ou simplesmente dia após dia durante seis meses, um ano, uma vida.
De frente para a Catedral, do lado esquerdo, há uma passagem coberta, toda de pedra que dá para a rua da Praça de Cervantes e que é onde os músicos tocam. A acústica é maravilhosa. A primeira memória que tenho dela é de quando tinha uns 15 anos e andava a passear sozinha por lá e ouvi um clarinete a tocar Hey Jude. Lembro-me que me encostei à parede em frente ao homem que tocava e fiquei ali parada muito tempo. Acho que foi aí que decidi que queria viver ali. Há dois anos quem lá tocava era o Chris, um americano muito simpático, que tocava Bob Dylan ou Nirvana ou Pearl Jam e tudo de que gostamos. Para ir para casa tinha de passar por ali e por isso ouvia sempre uma música bonita, ficavamos na conversa um bocado os dois e depois ia embora pela rua e ouvia-o ao longe. Gostava disso.

A Praça de Cervantes e a rua que lá vai dar tem os meus 3 sítios favoritos de Santiago. O primeiro, à esquerda logo, é o Albaroque. Um bar muito giro que tem uma decoração incrível e uns donos do melhor. Ali servem kalimocho com gomas, em vez de amendoins ou tremoços. Um litro de kalimocho e um prato de ursinhos vermelhos. É uma iguaria. Tinha também um rapaz à porta a entregar panfletos. Às vezes não trabalhava nada. Gostava disso.

A seguir, à direita, é a casa do Euclides. O Eucli vivia com a Jessica num último andar de um prédio incrível no coração da cidade. Era muito pequenino, o sotão. Tinha uma sala pequena e muito acolhedora onde havia um sofá, uma mesa redonda, que era onde jantávamos todos os dias os 3. Às vezes a Elena também vinha. Tinha também um fogão e uns 3 armários para louça e um frigorífico. Depois havia o quarto e a casa de banho. A coisa mais maravilhosa era a janela. Aberta era um quadro. Uma fotografia. Não sei bem. Tinha a vista mais bonita da cidade inteira.

Mais à frente, à direita, é o Agarimo. Um café simpático onde tocam uns senhores espanhóis que sabem músicas incríveis e têm vozes que fazem sorrir. Agarimo em espanhol significa Carinho.





(Santiago é uma cidade belíssima. Simpática e acolhedora. É daqueles lugares que gritam BEM-VINDO, AMIGO).



O meu tempo lá não se resumiu às pessoas incríveis com quem vivi e partilhei tudo. Há toda uma quantidade de detalhes, de pedras da rua que têm histórias minhas agora também. Os patos do lago em frente a minha casa. O campo de relva também em frente a minha casa onde os polacos se descalçavam para sentir a relva molhada nos pés e faziam piqueniques sempre que havia uma raríssima réstia de sol. A chuva. A muitíssima chuva. As ruas a subir. A livraria. A praça que tinha a sombra do peregrino e onde me sentava no chão a ler todos os dias. O Caminho. As tapas, e as pizzas médias. As rodas de capoeira. A minha varanda branca e estar lá na conversa com o Euclides e a Jessi, a Elena, o Josemar. Os passeios nocturnos. O meu guarda chuva cor de laranja.





Fui enfeitiçada!:)


















3 comentários:

  1. É disto que eu gosto em ti...vives a vida intensamente...cada pormenor faz parte de ti e esse também não existiria sem a tua presença, sem o teu dom da palavra para o contares mais tarde...Tens um dom, acredita!

    (Quanto a mim, já há muitos anos que me enfeitiçaste...e continuas a fazer parte dos grandes pormenores da minha vida)

    Fomos enfeitiçadas!:D
    Mas é tão bom :P

    ResponderEliminar
  2. iiii...o t1 do eucli...que saudades:(

    ResponderEliminar
  3. Inês de minh'alma, o que passa em portugal, as miúdas que ganham esse nove vem com o feitiço da inês de castro? Porque tu me enfeitiçaste como ela enfeitiçou ao rei, e sei bem que não fui o único.
    Saiba que se naquelas pedras estão escritos os séculos, está também escrito a nossa amizade e esse amor e carinho intenso que sinto por ti. És minha irmã de alma, ja o sabes.
    Quanto às brujas, hoje li uma peça do Yeats chamada the Land Of Heart's Desire, em que uma miúda é levada por uma fada para a terra onde os sonhos se fazem reais. Havendo uma ligação entre Irlanda e Santiago, aposto que essa terra é em espanha, em galiza, ali embaixo daqueles porticos, por sobre aquelas pedras.
    Não te esqueço, e escreves, que seu do te me traz mais pra perto
    beijos e amor

    ResponderEliminar