terça-feira, 23 de março de 2010

Diário póstumo da cidade de Santiago de Compostela

"Lá fora chove. Mais, parece que se abriram as portas do céu. Sinto-me só e desacompanhada senão pela minha própria presença e por este cigarro nesta varanda branca. Não sei bem o que sinto porque apesar das minhas lágrimas se confundirem com esta chuva que mas lava gosto de acordar às 15h com o Chico Buarque e fazer passeios com o Lou Reed nos ouvidos. No Porto a chuva incomoda-me. Aqui não. E não é mágica esta cidade? Fui beber uma Estrella Galicia porque não tinha dinheiro para comer mas apercebi-me com agrado que me ofereceram um pão com chouriço. Como não me sentir amparada nesta cidade se toda ela é vida? Porque choro como uma menina se sou uma mulher independente? Há dias vi um rapaz na Universidade, ele olhou-me muito, parecia tão perdido e só como eu mas tão completamente fascinado como eu por esta beleza toda. Há dias conheci-o, é brasileiro e sinto que vai tornar-se no meu melhor amigo. Ele entende-me e quando a noite e a tristeza não me deixam dormir ele acompanha-me, conta-me histórias de casa, de uma menina. Ele fala bem, dá-me o calor que me falta. Nunca conheci ninguém assim, tão desinteressado de tudo o que não importa, tão genuíno. Tem nome de estrela. Por isso talvez seja que me guia.
Continua a chover, pergunto-me quando será que o Chico Buarque deixará de cantar a Roda Viva na minha cabeça e fará destes dias uma roda viva de horas e alegrias e não de turbilhão interno. Conheci mais uma menina, moreninha, linda de morrer. É ela que me acorda todos os dias de manhã cedo para usar a minha casa de banho e me perguntar se estou melhor. Comecei a almoçar em casa dela e a ver os Simpsons e o Friends em espanhol. Os dias cinzentos começam a parecer-me melhores. Recebi um e-mail que deu cabo de mim. Tiveram de me tirar da sala de computadores porque já não conseguia respirar. Nunca pensei que se pudesse sofrer desta maneira. Só me apetece ir para a chuva lá fora e deixar-me absorver.
(...)
Passaram os meses. Os meus dias mudaram, esta chuva já me parece sol, parece abençoada e eu tão feliz que não quero pensar nunca que pode acabar em breve. Sou feliz e sei que vou sê-lo para sempre.
(...)"

quinta-feira, 18 de março de 2010

Mas está tudo maluco?

Há uma rua ao pé da minha faculdade, uma rua estreitinha ou não cabem duas pessoas ao mesmo tempo onde, todos dias, seja a que hora for que eu por lá passe, passa sempre por mim um senhor a ler a Bíblia. Mas notem, não é sempre o mesmo senhor e isto é completamente verdade!
São homens adultos que aparentemente vão trabalhar ou vão para as aulas, e vão a ler a Bíblia, a Bíblia edição livro de bolso,mas a Bíblia.
Ontem no autocarro ia uma senhora na minha diagonal a cantar "Arre burrito, arre burrrrito" e a bater-me na perna. Começo a ficar apreensiva porque isto começa a afigurar-se habitual e familiar já que a minha avó há uns anos tinha um homem a bater-lhe à porta todos os dias alegando, em voz excepcionalmente alta, ser filho dela e do Júlio Isidro e que a malvada não o deixava entrar.
No outro dia fui a uma loja de artigos para pessoas doentes e acamadas ver umas cadeiras para a minha avó e a vendedora, solícita, mostrou-me tudo o que tinha até que eu lhe disse:
- "E aquela? É de veludo, não é?"
e ela respondeu:
- "Não é vem beludo".
....