sábado, 13 de novembro de 2010

Outrora

"Às vezes ela ia até à janela, voltava para dentro, mudava de roupa e saía. Às vezes nem tinha destino. Só tinha esperança de o ver, ou que ele a visse a ela. Ela imaginava que se talvez ele aparecesse uma vez que fosse no meio das pessoas que passavam por ela sem a ver ela pudesse sentir tudo outra vez. E era tão dificil ver todos os dias as mesmas caras a sorrirem por detrás dos jornais cinzentos e dos quentes copos de vinho sem nunca (re)ver aquele sorriso. E porque não? Ela não era já a mesma pessoa, nunca mais voltaria a ser. E tudo porque agora nos dias de chuva ficar em casa já não fazia sentido. Só a música fazia sentido agora.
Ela voltava para casa debaixo da chuva negra e fria que fazia aquelas árvores tão bonitas e aquele caminho tão familiar. E continuaria a fazer o mesmo trajecto todos os dias, às horas que lhe apetecesse. Estar em casa era tão insuportável como estar na rua.
E de novo a janela. E os velhos amigos que arrancavam notas e palavras ao pensamento em voz tão elevada que não se pudesse ouvi-la chorar. Revia mentalmente todos os passos e palavras tão eternas quanto possível, tão efémeras quanto os dias gelados de Fevereiro. Tão eternas quanto efémeras. "If you go your way, I´ll go your way too".
E a música,e os passeios e a vida. E aquela janela que já fora branca em tempos mas que agora era cinzenta.
Um cinzento desmaiado. "

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"18 seconds before sunrise"

Da minha cidade, dizem que é cinzenta. Eu acho-a colorida. Com vários tons de castanho, vermelho, bege, branco, negro e amarelo.
É uma cidade que, como todas as cidades com mistérios e infortúnios, tem de ser lavada todos os dias pela chuva gelada batida a vento e que se enfurece algumas vezes.
Mas a gente habitua-se, embora não sem se queixar, e enche-se de roupa pesada e quente e guarda-chuvas que se vão deixando ficar pelas esquinas esventrados e esquecidos.
Então o metro arrasta-se vagaroso por entre as folhas encharcadas que vão caindo para os trilhos. E a gente nunca deixa de correr porque os infortúnios não são só da cidade, são das pessoas. E as pessoas aqui nunca têm tempo.
E mesmo assim ela continua linda. E às vezes nem se percebe bem como é que é possível. Talvez porque a falta de tempo não permite olhares mais demorados sobre ela.
É a minha cidade e às vezes atrevo-me a pensar que é só minha. E que ela se mostra só para mim. E às vezes pisca-me o olho:)